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"Parece que há ordem expressiva para matar" em Moçambique

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A plataforma eleitoral Decide tem acompanhado e observado de perto a contestação pós-eleitoral em Moçambique. No final do mês de Dezembro, passados dois meses de contestação pós-eleitorais e violências em todo o país, a plataforma Decide publicou um relatório completo referente às mortes, aos baleamentos e às detenções em todo o país para cada fase das manifestações.

Em dois meses, mais de 260 pessoas perderam a vida em Moçambique. O que consta no relatório, é que algumas destas vítimas foram assassinadas nos quintais das suas próprias casas, ou a regressar do trabalho. Outra informação a destacar: a província de Nampula regista o maior número de mortes em todo o país em três das quatro fases das manifestações.

Wilker Dias, coordenador da plataforma eleitoral Decide, cujos balanços são citados pela imprensa internacional, explicou-nos como foi realizado este relatório, relata as denúncias que têm recebido e faz uma antevisão das semanas que vêem.

RFI: Como procederam para monitorizar o número de mortos, feridos e detidos ao longo dos dois meses, qual foi a metodologia implementada para a realização deste relatório ?

Para fazer a recolha dos dados, criámos uma linha de denúncia, através da qual as pessoas puderam ligar e informar. Se tivesse alguém morto, teriam que apresentar evidências, vídeos e fotos. Criámos uma base de dados e a equipa de verificação faz a devida triagem e verificação.

Depois temos uma equipa que faz o apoio directo às vítimas. Apoiamos famílias que perderam os seus entes queridos através de um pequeno fundo, alocado pela Geração 18 de Março. Estamos a trabalhar em comunhão com a Ordem dos Enfermeiros e com a Ordem dos Advogados, com quem partilhamos a informação e fazemos uma troca de dados.

RFI: Com todos estes dados recolhidos, a que conclusão é que chegaram ? Qual é a informação que se destaca ?

O que mais nos surpreendeu primeiro foi o número de baleados, um número muito alto. Estamos a falar de pouco mais de 500 baleados, e este número poderá atingir a casa dos 600 ainda ao longo do dia de hoje ou amanhã [30 de Dezembro].

O número de mortos é extremamente assustador e ainda não tínhamos incluído a fase V8, uma fase que já supera o número de mortos nestes dois últimos meses de manifestações. Ou seja, em três dias nós tivemos uma cifra de pouco mais de 250 mortos e 175 foram apenas em três dias nesta última fase.

São números muito assustadores e destaca-se a província de Nampula como um dos principais locais onde há maior número de mortos, mas também de violações de natureza diversa.

RFI: A província de Nampula consta como a zona do país com o maior número de mortos em três das quatro fases de manifestações. Ou seja, quase todas, de acordo com o vosso relatório. Como é que explica que haja mais violências deste tipo no centro e no norte do país do que no epicentro dos protestos em Maputo ?

Isto tem muito a ver com os comandantes da polícia que estão afectos aos diversos pontos desta província. Se formos olhar o caso concreto da província da cidade de Nacala, é onde temos recebido mais reclamações sobre a actuação do comandante e da polícia a nível da protecção dos cidadãos.

Temos vários casos em que o comandante da polícia entrou e disparou dentro do hospital contra pessoas que estavam a receber a assistência hospitalar. Temos outros casos também em Nampula, em que só pelo facto de as pessoas estarem a manifestar, o comandante dava ordens para disparar simplesmente.

E é por isso que temos um índice muito alto, tanto de baleados, como de mortos e também de detidos, porque o nível de preparação e de gestão destes casos é muito, muito baixo. Deixa muito a desejar neste ponto do país.

RFI: Há então um descontrolo por parte da polícia ?

Parece que há ordem expressiva para matar, porque, por exemplo, tivemos o caso de uma senhora que estave na sua barraca a vender e a polícia acabou alvejando-a.

Na maior parte dos casos, os tiros que eram disparados para as pessoas não eram com o intuito de dispersar, mas sim para matar.

E são vários os casos que temos aqui documentado nos mercados e etc, com evidências que demonstram que há essa intenção de matar e não propriamente de dispersar as pessoas.

RFI: E um dos pontos marcantes deste relatório tem a ver com a causa das mortes, porque várias vítimas foram assassinadas, por exemplo, dentro das suas casas ou a regressar do trabalho....

A maior parte dos casos que verificámos são pessoas que estavam a voltar do posto de trabalho ou estavam a voltar da machamba ou estavam dentro das suas residências e acabaram sendo atingidas por balas.

Nós tivemos um caso em Nampula em que foram três pessoas dentro de um quintal que acabaram perdendo a vida, tendo sido alvejadas pela polícia. Tivemos também um outro caso em que um camponês foi baleado também enquanto acabava de regressar da machamba.

Trata-se do senhor Félix, que em Chimoio foi baleado no seu próprio quintal e ele acabava de regressar da machamba.

RFI: Estamos portanto a falar de homicídios realizados fora do contexto de manifestações. Na sua opinião, estes homicídios obedecem a ordens ou trata-se de descontroles por parte de agentes de polícia de forma individual ?

São realizados a mando do comandante da Polícia Geral da Polícia, senhor Bernadino Rafael e sob conhecimento do ministro do Interior automaticamente, e também com conhecimento do Presidente da República, na qualidade de Comandante Chefe das Forças Armadas de Defesa de Moçambique. De certeza, porque se não fosse isso, já teríamos um pronunciamento acerca dessas mortes ao longo desses dois meses. E isso não aconteceu.

RFI: O balanço real poderá ser ainda muito maior do que consta no vosso relatório, por conta de muitas mortes que passaram debaixo dos radares ?

Já contabilizamos até agora sim 275 mortos. Mas temos indicações e temos recebido muitos pedidos de socorro e muitas mensagens sobre mortes em diversos sítios. Infelizmente não temos recebido as evidências devido ao contexto por vezes que é muito tenso.

Quando é assim, não é possível justificar.

E temos uma outra situação. São denúncias frequentes em algumas unidades hospitalares, como por exemplo no Hospital José Macamo, em Maputo, em que temos recebido denúncias por parte de populares que fazem menção de que há corpos que chegam mortos, vítimas de balas, mas que no local médico são colocadas outras causas, como por exemplo, atropelamento. Isto é para reduzir as estatísticas.

RFI: O que quereria dizer que o pessoal médico estaria voluntáriamente a esconder as causas dessas mortes ?

Sim. Segundo essas denúncias que vamos recebendo, sim.

RFI : Tem igualmento havido denúncias, nomeadamente por parte do opositor Venâncio Mondlane, da existência de valas comuns, para onde seriam levados alguns dos corpos assassinados, que as equipas médicas estariam a impedir de ser identificados. O que sabe disto?

É neste cenário também que se impede a identificação de corpos para evitar que entrem nas estatísticas, porque já sabem de antemão que se está se a fazer um trabalho em torno disto para a responsabilização dos autores. Por este motivo existem valas comuns, para colocarem lá os corpos e não haver nenhuma responsabilização posteriormente.

RFI: A equipa da plataforma Decide tem recebido ameaças?

Já não. Só tivemos um caso de tentativa de sequestro no mês passado, de um dos nossos responsáveis de comunicação na cidade da Beira, mas foi prontamente socorrido por populares na zona de Esturro, na cidade da Beira. E depois disso não tivemos mais nenhum episódio.

RFI: Que crédito dá à versão segundo a qual este caos e especificamente as fugas prisionais têm sido fomentadas pela Frelimo para justificar uma maior opressão?

Na minha óptica, acho que não restam dúvidas que isto tudo é arquitectado para poder primeiro colocar o caos a nível das ruas, desviar as atenções daquilo que é o real motivo das manifestações, que é a verdade eleitoral.

Há outro aspecto importante a destacar, é que a credibilidade da Polícia de Moçambique vê-se beliscada ao longo deste processo todo, não só agora nas manifestações, mas antes das manifestações também. A polícia já tinha a sua imagem beliscada. Veio a piorar agora. Aas pessoas em pânico vão clamar pela polícia para que ela, de forma automática, seja vista uma vez mais como herói e recupere a credibilidade. Por isso, na minha óptica, é tudo arquitectado.

RFI: Como é que vê o futuro a partir de agora? Sabemos que a partir desta segunda feira, dia 30 de dezembro, Venâncio Mondlane vai anunciar medidas para uma nova fase. Como é que antevê esta próxima semana?

Na próxima semana, não sei com muita certeza se poderemos ter uma fase caótica, mas tenho muitos questionamentos sobre a tranquilidade da semana da tomada de posse do candidato indicado pelo Conselho Constitucional como vencedor das eleições.

Acredito que a semana mais complicada será mesmo essa. Acho que aí teremos muita agitação.

RFI: Agitação devido a manifestações ou à potencial chegada a Moçambique de Venâncio Mondlane, que disse que iria tomar posse como presidente nesse mesmo dia ?

Com ou sem Venâncio Mondlane, eu acredito que teremos momentos caóticos por conta das manifestações. Acredito que as pessoas vão à rua de qualquer das formas e poderemos, se calhar, ter mais sangue nas ruas.

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Em dois meses, mais de 260 pessoas perderam a vida em Moçambique. O que consta no relatório, é que algumas destas vítimas foram assassinadas nos quintais das suas próprias casas, ou a regressar do trabalho. Outra informação a destacar: a província de Nampula regista o maior número de mortes em todo o país em três das quatro fases das manifestações.

Wilker Dias, coordenador da plataforma eleitoral Decide, cujos balanços são citados pela imprensa internacional, explicou-nos como foi realizado este relatório, relata as denúncias que têm recebido e faz uma antevisão das semanas que vêem.

RFI: Como procederam para monitorizar o número de mortos, feridos e detidos ao longo dos dois meses, qual foi a metodologia implementada para a realização deste relatório ?

Para fazer a recolha dos dados, criámos uma linha de denúncia, através da qual as pessoas puderam ligar e informar. Se tivesse alguém morto, teriam que apresentar evidências, vídeos e fotos. Criámos uma base de dados e a equipa de verificação faz a devida triagem e verificação.

Depois temos uma equipa que faz o apoio directo às vítimas. Apoiamos famílias que perderam os seus entes queridos através de um pequeno fundo, alocado pela Geração 18 de Março. Estamos a trabalhar em comunhão com a Ordem dos Enfermeiros e com a Ordem dos Advogados, com quem partilhamos a informação e fazemos uma troca de dados.

RFI: Com todos estes dados recolhidos, a que conclusão é que chegaram ? Qual é a informação que se destaca ?

O que mais nos surpreendeu primeiro foi o número de baleados, um número muito alto. Estamos a falar de pouco mais de 500 baleados, e este número poderá atingir a casa dos 600 ainda ao longo do dia de hoje ou amanhã [30 de Dezembro].

O número de mortos é extremamente assustador e ainda não tínhamos incluído a fase V8, uma fase que já supera o número de mortos nestes dois últimos meses de manifestações. Ou seja, em três dias nós tivemos uma cifra de pouco mais de 250 mortos e 175 foram apenas em três dias nesta última fase.

São números muito assustadores e destaca-se a província de Nampula como um dos principais locais onde há maior número de mortos, mas também de violações de natureza diversa.

RFI: A província de Nampula consta como a zona do país com o maior número de mortos em três das quatro fases de manifestações. Ou seja, quase todas, de acordo com o vosso relatório. Como é que explica que haja mais violências deste tipo no centro e no norte do país do que no epicentro dos protestos em Maputo ?

Isto tem muito a ver com os comandantes da polícia que estão afectos aos diversos pontos desta província. Se formos olhar o caso concreto da província da cidade de Nacala, é onde temos recebido mais reclamações sobre a actuação do comandante e da polícia a nível da protecção dos cidadãos.

Temos vários casos em que o comandante da polícia entrou e disparou dentro do hospital contra pessoas que estavam a receber a assistência hospitalar. Temos outros casos também em Nampula, em que só pelo facto de as pessoas estarem a manifestar, o comandante dava ordens para disparar simplesmente.

E é por isso que temos um índice muito alto, tanto de baleados, como de mortos e também de detidos, porque o nível de preparação e de gestão destes casos é muito, muito baixo. Deixa muito a desejar neste ponto do país.

RFI: Há então um descontrolo por parte da polícia ?

Parece que há ordem expressiva para matar, porque, por exemplo, tivemos o caso de uma senhora que estave na sua barraca a vender e a polícia acabou alvejando-a.

Na maior parte dos casos, os tiros que eram disparados para as pessoas não eram com o intuito de dispersar, mas sim para matar.

E são vários os casos que temos aqui documentado nos mercados e etc, com evidências que demonstram que há essa intenção de matar e não propriamente de dispersar as pessoas.

RFI: E um dos pontos marcantes deste relatório tem a ver com a causa das mortes, porque várias vítimas foram assassinadas, por exemplo, dentro das suas casas ou a regressar do trabalho....

A maior parte dos casos que verificámos são pessoas que estavam a voltar do posto de trabalho ou estavam a voltar da machamba ou estavam dentro das suas residências e acabaram sendo atingidas por balas.

Nós tivemos um caso em Nampula em que foram três pessoas dentro de um quintal que acabaram perdendo a vida, tendo sido alvejadas pela polícia. Tivemos também um outro caso em que um camponês foi baleado também enquanto acabava de regressar da machamba.

Trata-se do senhor Félix, que em Chimoio foi baleado no seu próprio quintal e ele acabava de regressar da machamba.

RFI: Estamos portanto a falar de homicídios realizados fora do contexto de manifestações. Na sua opinião, estes homicídios obedecem a ordens ou trata-se de descontroles por parte de agentes de polícia de forma individual ?

São realizados a mando do comandante da Polícia Geral da Polícia, senhor Bernadino Rafael e sob conhecimento do ministro do Interior automaticamente, e também com conhecimento do Presidente da República, na qualidade de Comandante Chefe das Forças Armadas de Defesa de Moçambique. De certeza, porque se não fosse isso, já teríamos um pronunciamento acerca dessas mortes ao longo desses dois meses. E isso não aconteceu.

RFI: O balanço real poderá ser ainda muito maior do que consta no vosso relatório, por conta de muitas mortes que passaram debaixo dos radares ?

Já contabilizamos até agora sim 275 mortos. Mas temos indicações e temos recebido muitos pedidos de socorro e muitas mensagens sobre mortes em diversos sítios. Infelizmente não temos recebido as evidências devido ao contexto por vezes que é muito tenso.

Quando é assim, não é possível justificar.

E temos uma outra situação. São denúncias frequentes em algumas unidades hospitalares, como por exemplo no Hospital José Macamo, em Maputo, em que temos recebido denúncias por parte de populares que fazem menção de que há corpos que chegam mortos, vítimas de balas, mas que no local médico são colocadas outras causas, como por exemplo, atropelamento. Isto é para reduzir as estatísticas.

RFI: O que quereria dizer que o pessoal médico estaria voluntáriamente a esconder as causas dessas mortes ?

Sim. Segundo essas denúncias que vamos recebendo, sim.

RFI : Tem igualmento havido denúncias, nomeadamente por parte do opositor Venâncio Mondlane, da existência de valas comuns, para onde seriam levados alguns dos corpos assassinados, que as equipas médicas estariam a impedir de ser identificados. O que sabe disto?

É neste cenário também que se impede a identificação de corpos para evitar que entrem nas estatísticas, porque já sabem de antemão que se está se a fazer um trabalho em torno disto para a responsabilização dos autores. Por este motivo existem valas comuns, para colocarem lá os corpos e não haver nenhuma responsabilização posteriormente.

RFI: A equipa da plataforma Decide tem recebido ameaças?

Já não. Só tivemos um caso de tentativa de sequestro no mês passado, de um dos nossos responsáveis de comunicação na cidade da Beira, mas foi prontamente socorrido por populares na zona de Esturro, na cidade da Beira. E depois disso não tivemos mais nenhum episódio.

RFI: Que crédito dá à versão segundo a qual este caos e especificamente as fugas prisionais têm sido fomentadas pela Frelimo para justificar uma maior opressão?

Na minha óptica, acho que não restam dúvidas que isto tudo é arquitectado para poder primeiro colocar o caos a nível das ruas, desviar as atenções daquilo que é o real motivo das manifestações, que é a verdade eleitoral.

Há outro aspecto importante a destacar, é que a credibilidade da Polícia de Moçambique vê-se beliscada ao longo deste processo todo, não só agora nas manifestações, mas antes das manifestações também. A polícia já tinha a sua imagem beliscada. Veio a piorar agora. Aas pessoas em pânico vão clamar pela polícia para que ela, de forma automática, seja vista uma vez mais como herói e recupere a credibilidade. Por isso, na minha óptica, é tudo arquitectado.

RFI: Como é que vê o futuro a partir de agora? Sabemos que a partir desta segunda feira, dia 30 de dezembro, Venâncio Mondlane vai anunciar medidas para uma nova fase. Como é que antevê esta próxima semana?

Na próxima semana, não sei com muita certeza se poderemos ter uma fase caótica, mas tenho muitos questionamentos sobre a tranquilidade da semana da tomada de posse do candidato indicado pelo Conselho Constitucional como vencedor das eleições.

Acredito que a semana mais complicada será mesmo essa. Acho que aí teremos muita agitação.

RFI: Agitação devido a manifestações ou à potencial chegada a Moçambique de Venâncio Mondlane, que disse que iria tomar posse como presidente nesse mesmo dia ?

Com ou sem Venâncio Mondlane, eu acredito que teremos momentos caóticos por conta das manifestações. Acredito que as pessoas vão à rua de qualquer das formas e poderemos, se calhar, ter mais sangue nas ruas.

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