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Eleições na França: extrema direita adapta discurso sobre o clima para pregar nacionalismo

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A poucos dias do primeiro turno das eleições antecipadas na França, organizações de defesa do meio ambiente e cientistas alertam sobre os riscos de um governo de extrema direita para o futuro da política ambiental do país, a segunda maior economia da União Europeia. O partido Reunião Nacional se opõe ao que chama de “ecologia punitiva”, defende o enfraquecimento do Pacto Verde europeu e de uma série de medidas que colocam a França no caminho da descarbonização completa até 2050.

Lúcia Müzell, da RFI Brasil em Paris

Para aumentar a sua aceitação popular, a legenda adaptou o discurso sobre o clima: deixou de lado as tiradas negacionistas e passou a evocar o tema para reforçar as posições nacionalistas que traçaram a sua história. A sigla de extrema direita compreendeu que, no contexto francês, não poderia mais rejeitar a crise climática se quisesse chegar ao poder.

“Eles adotaram uma postura mais cautelosa: reconhecem a existência da desregulação climática, mas a responsabilidade direta do homem nisso ainda não é tão clara, para eles. Então, a solução que apresentam para a questão climática vai ao encontro da argumentação central da extrema direita, pela soberania nacional”, observa o cientista político Bruno Villalba, especialista em política ambiental francesa e professor da AgroParisTech. “Eles vão pegar tudo que pode confortar a tese central do partido, que é a defesa da identidade nacional, do local. Por exemplo, eles são contra a energia eólica porque dizem que as turbinas afetam a paisagem tradicional da França”, salienta.

O programa do partido, cotado em primeiro lugar nas pesquisas de intenções de voto nas eleições francesas, inclui um curto parágrafo sobre o assunto: “Nós desenvolveremos uma ecologia com bom senso, baseada nas realidades cientificas, protetora do nível de vida dos franceses e que garanta a nossa independência nacional”, diz o trecho, logo depois de afirmar que “as famílias e empresas francesas sofrem a cada dia com uma ecologia punitiva, através de normas que prejudicam o poder de compra e o crescimento econômico”.

Discurso em contradição com emergência climática

O problema é que essas medidas foram adotadas para que o país seja capaz de zerar as emissões de gases de efeito estufa nos próximos 15 anos. Especialistas advertem que o ritmo da transição deve acelerar, e não diminuir, para que este objetivo seja mesmo cumprido.

O paleoclimatologista Jean Jouzel, um dos cientistas franceses mais respeitados do mundo, foi um dos que tomou posição sobre a situação política atual no país. Ele disse ter ficado “completamente abatido” com a dissolução da Assembleia Nacional do país e a possibilidade de o candidato do RN, Jordan Bardella, ocupar o cargo de primeiro-ministro.

“As questões ambientais estão ausentes da campanha eleitoral, ao mesmo tempo em que somos confrontados à realidade climática, que estamos na beira do precipício”, lamentou Jouzel, ao jornal Libération.

“Do ponto de vista da proteção do meio ambiente, é um partido relativamente negacionista, mesmo que ele não diga isso com todas as letras. Ele quer paralisar o avanço das energias renováveis”, disse Arnaud Schwartz, vice-presidente da associação ambientalista France Nature Environnement, entrevistado pela RFI.

“Eles são favoráveis a uma agricultura industrial, voltada à exportação, ao mesmo tempo em que autorizam a importação de produtos agrícolas aqui, produzidos em condições bem piores no exterior. Ou seja, eles estão de acordo que a gente polua mais os nossos solos, que destruamos a nossa saúde – o que ao faz nenhum sentido a longo prazo”, denuncia Schwartz.

Assim como em outros países, a extrema direita francesa também não faz questão de se dissociar dos combustíveis fósseis – responsáveis por 80% dos gases de efeito estufa que aquecem o planeta. O Reunião Nacional prega a revogação da proibição da venda de veículos novos movidos diesel e gasolina, prevista na União Europeia a partir de 2035, e o fim das zonas de baixa emissão de CO2 nas cidades.

Desacelerar o ritmo da transição da economia

A sigla também quer “reduzir” a pegada de carbono por meio de incentivos para as indústrias francesas retornarem ao país e ao dar “prioridade à produção nacional”. O cientista político Bruno Villalba ressalta que muitas destas promessas não são factíveis.

“Para começar, a margem de autonomia de um primeiro-ministro em relação às diretivas e regulamentações europeias é bastante limitada. A partir do momento em que a maioria delas são adotadas, elas são aplicadas automaticamente na lei francesa – a menos que ele decida encarar as multas que a União Europeia nos enviaria”, lembra. “Mas o que ele pode, sim, fazer, é jogar com o tempo e adiar a aplicação das decisões europeias.”

Nesta semana, as principais organizações ambientalistas francesas se reuniram em um colóquio organizado pelo site Reporterre para abordar os riscos da ascensão do partido fundado por Jean-Marie Le Pen. O diretor-geral do Greenpeace França, Jean-François Julliard, afirmou que o programa do Reunião Nacional “ignora os desafios da descarbonização”.

“Eles não têm nenhuma compreensão desses desafios e às vezes eles negam o problema, a intensidade e a amplitude das mudanças climáticas, da perda da biodiversidade e de todas as poluições que estragam o mundo. Um líder do Reunião Nacional já disse que o IPCC ‘exagera’ nas suas recomendações”, comentou. “Até quando eles tentam dizer que não são negacionistas, vemos que eles não têm nenhuma visão sobre como eles vão enfrentar a questão climática, se chegarem ao poder.”

O partido poderia se inspirar na gestão da italiana Giorgia Meloni. Uma vez na chefia de governo, a líder do Fratelli d’Italia pisou no freio das ambições climáticas do país, a exemplo do recente endurecimento das regras para a instalação de painéis solares na Itália.

Meloni também adota um duplo discurso: na esfera internacional, se mostra colaborativa nas negociações climáticas, mas no âmbito interno permite que ministros e aliados questionem as ciências do clima.

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Lúcia Müzell, da RFI Brasil em Paris

Para aumentar a sua aceitação popular, a legenda adaptou o discurso sobre o clima: deixou de lado as tiradas negacionistas e passou a evocar o tema para reforçar as posições nacionalistas que traçaram a sua história. A sigla de extrema direita compreendeu que, no contexto francês, não poderia mais rejeitar a crise climática se quisesse chegar ao poder.

“Eles adotaram uma postura mais cautelosa: reconhecem a existência da desregulação climática, mas a responsabilidade direta do homem nisso ainda não é tão clara, para eles. Então, a solução que apresentam para a questão climática vai ao encontro da argumentação central da extrema direita, pela soberania nacional”, observa o cientista político Bruno Villalba, especialista em política ambiental francesa e professor da AgroParisTech. “Eles vão pegar tudo que pode confortar a tese central do partido, que é a defesa da identidade nacional, do local. Por exemplo, eles são contra a energia eólica porque dizem que as turbinas afetam a paisagem tradicional da França”, salienta.

O programa do partido, cotado em primeiro lugar nas pesquisas de intenções de voto nas eleições francesas, inclui um curto parágrafo sobre o assunto: “Nós desenvolveremos uma ecologia com bom senso, baseada nas realidades cientificas, protetora do nível de vida dos franceses e que garanta a nossa independência nacional”, diz o trecho, logo depois de afirmar que “as famílias e empresas francesas sofrem a cada dia com uma ecologia punitiva, através de normas que prejudicam o poder de compra e o crescimento econômico”.

Discurso em contradição com emergência climática

O problema é que essas medidas foram adotadas para que o país seja capaz de zerar as emissões de gases de efeito estufa nos próximos 15 anos. Especialistas advertem que o ritmo da transição deve acelerar, e não diminuir, para que este objetivo seja mesmo cumprido.

O paleoclimatologista Jean Jouzel, um dos cientistas franceses mais respeitados do mundo, foi um dos que tomou posição sobre a situação política atual no país. Ele disse ter ficado “completamente abatido” com a dissolução da Assembleia Nacional do país e a possibilidade de o candidato do RN, Jordan Bardella, ocupar o cargo de primeiro-ministro.

“As questões ambientais estão ausentes da campanha eleitoral, ao mesmo tempo em que somos confrontados à realidade climática, que estamos na beira do precipício”, lamentou Jouzel, ao jornal Libération.

“Do ponto de vista da proteção do meio ambiente, é um partido relativamente negacionista, mesmo que ele não diga isso com todas as letras. Ele quer paralisar o avanço das energias renováveis”, disse Arnaud Schwartz, vice-presidente da associação ambientalista France Nature Environnement, entrevistado pela RFI.

“Eles são favoráveis a uma agricultura industrial, voltada à exportação, ao mesmo tempo em que autorizam a importação de produtos agrícolas aqui, produzidos em condições bem piores no exterior. Ou seja, eles estão de acordo que a gente polua mais os nossos solos, que destruamos a nossa saúde – o que ao faz nenhum sentido a longo prazo”, denuncia Schwartz.

Assim como em outros países, a extrema direita francesa também não faz questão de se dissociar dos combustíveis fósseis – responsáveis por 80% dos gases de efeito estufa que aquecem o planeta. O Reunião Nacional prega a revogação da proibição da venda de veículos novos movidos diesel e gasolina, prevista na União Europeia a partir de 2035, e o fim das zonas de baixa emissão de CO2 nas cidades.

Desacelerar o ritmo da transição da economia

A sigla também quer “reduzir” a pegada de carbono por meio de incentivos para as indústrias francesas retornarem ao país e ao dar “prioridade à produção nacional”. O cientista político Bruno Villalba ressalta que muitas destas promessas não são factíveis.

“Para começar, a margem de autonomia de um primeiro-ministro em relação às diretivas e regulamentações europeias é bastante limitada. A partir do momento em que a maioria delas são adotadas, elas são aplicadas automaticamente na lei francesa – a menos que ele decida encarar as multas que a União Europeia nos enviaria”, lembra. “Mas o que ele pode, sim, fazer, é jogar com o tempo e adiar a aplicação das decisões europeias.”

Nesta semana, as principais organizações ambientalistas francesas se reuniram em um colóquio organizado pelo site Reporterre para abordar os riscos da ascensão do partido fundado por Jean-Marie Le Pen. O diretor-geral do Greenpeace França, Jean-François Julliard, afirmou que o programa do Reunião Nacional “ignora os desafios da descarbonização”.

“Eles não têm nenhuma compreensão desses desafios e às vezes eles negam o problema, a intensidade e a amplitude das mudanças climáticas, da perda da biodiversidade e de todas as poluições que estragam o mundo. Um líder do Reunião Nacional já disse que o IPCC ‘exagera’ nas suas recomendações”, comentou. “Até quando eles tentam dizer que não são negacionistas, vemos que eles não têm nenhuma visão sobre como eles vão enfrentar a questão climática, se chegarem ao poder.”

O partido poderia se inspirar na gestão da italiana Giorgia Meloni. Uma vez na chefia de governo, a líder do Fratelli d’Italia pisou no freio das ambições climáticas do país, a exemplo do recente endurecimento das regras para a instalação de painéis solares na Itália.

Meloni também adota um duplo discurso: na esfera internacional, se mostra colaborativa nas negociações climáticas, mas no âmbito interno permite que ministros e aliados questionem as ciências do clima.

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